segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Qual o problema em ser ateu?



O dramaturgo e letrista Luiz Antonio Ribeiro comenta, em sua coluna no site Literatortura, os desafios de ser ateu em uma sociedade marcada pela religiosidade. (Érica Rodrigues)

Qual o problema em ser ateu?
Fico observando todos os debates que ocorrem nas redes sociais a respeito dos temas mais polêmicos do momento. Vejo em toda militância um enorme esforço em combater aqueles chamados de opressores e, principalmente, em defender aqueles com a nomenclatura de vítimas. Vejo, também, em todos os liberais uma necessidade latente em defender as liberdades a todo custo como se pudéssemos afirmar com alguma certeza o que é a tal liberdade e até a tão dita democracia. Só para constar: acredito na democracia e na liberdade, mas não nesta que nos é oferecida.
Entretanto, o que me chama atenção é que ambos os grupos parecem manter um silencioso pacto de não mexer com religião. Parece haver um silêncio mútuo a respeito do tema como se possuir uma crença e seguir uma religião não tivesse nada a ver com tudo que acontece no mundo. Digo mais: vejo um cínico esquecimento do tema como se ele não fosse, talvez, um dos principais pilares dos debates a respeito dos problemas da sociedade.
Creio que a religião, ou melhor, o sentimento metafísico-religioso, expõe o conservadorismo de todos nós que, combatentes das ideias dos outros, não conseguimos enfrentar um poder como o da religião de frente, pois ele também nos toca naquilo que nos é fraco: nossa condição humana. A crença, que é nossa, compõe tão fortemente nosso ser que, sem ela, talvez não soubéssemos mais quem somos.

Ora, mas a religião é justamente o alicerce de toda nossa moralidade ocidental! Todos os dogmas foram construídos baseados numa lei cristã, ou seja, na concepção de que há uma lei que deve ser seguida, pois contém a “verdade” sobre todas as coisas. Walter Benjamin em seus textos Nápoles e Capitalismo e Religião aponta para esses dois pontos: como o problema da violência e do capital estão inerentemente conectados com a trajetória cristã. Em Para uma Crítica da Violência, ele faz um longo trajeto onde trata da chamada “força de lei” que faz parte de um messianismo essencial contido em todas as nossas revoluções (ele trata da Francesa, mas podemos incluir a Russa). Temos as máquinas de morte da lei como a guilhotina que se torna a mão do estado sobre o pescoço do homem, assim como relatou também Kafka no seu conto A Colônia Penal. Acreditamos ainda em um dilúvio que, destruindo quase todos, salvará o mundo e acreditamos ainda que “nenhum rico vai entrar no reino dos céus”.
Não vejo entre a militância ninguém para defender uma das minorias que mais sofre preconceito: os ateus. Não que eles precisem de defesa, longe disso, mas não vejo o mesmo esforço em argumentar o direito deles, inclusive percebo que para muitos o ateísmo é até uma espécie de nova seita religiosa anti-religião, como se “não-crer” fosse oprimir a crença. É evidente que existem exceções como as críticas aos abusos monetários dos evangélicos e os casos de pedofilia na igreja católica. Embora ache que as críticas são ainda frágeis, elas  não deixam de existir.
É sabido por pesquisas que grande parte da população votaria em homossexuais, negros e usuários de drogas, mas JAMAIS votariam em um ateu. Essa pesquisa já foi exposta em uma matéria para o Literatortura e você pode conferir aqui. Então faço a pergunta: Qual o problema em ser ateu? O ateísmo parte de princípios secularistas que negam qualquer tipo de normatização do corpo do outro, assim como a possibilidade de se obter quaisquer benefícios por conta de uma simples crença. Além do mais, o ateísmo oferece uma moralidade baseada no indivíduo, ou seja, em si próprio e não em um livro com “força de lei” que pode apontar para distintos lados da maneira que preferir, dependendo da interpretação de quem lê o tal livro sagrado.
A verdade é que, reafirmo, quando o assunto respinga na religião, a grande maioria ainda é conservadora. Não pretendem enfrentar pais, família, escolas, sociedade, nem, principalmente, a si próprias. Continuam com suas crenças fazendo de conta que elas nada dizem respeito com o que acontece no mundo e ainda veem no messianismo (seja metafísico ou político) uma saída para todos os males do mundo.
Creio que a contracultura, ou como diria Benjamin, na leitura da história a contrapelo, está a única forma de se escapar de todo projeto do capital cristão que envolve política, direita, esquerda, lei, dogma. É preciso montar uma batalha de modelos e não uma luta por direitos que corroboram apenas o conceito geral. A judicialização (que obviamente também tem um fundo cristão) não resolve nossos problemas, apenas garante direitos para alguns dentro do grande problema.
Para variar, o buraco é muito mais embaixo e nem sequer somos capazes de tocar nele. No entanto, espero ter acendido alguma lâmpada, em algum canto, em alguma mente, quiçá, em minha própria.

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