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A presença da religiosidade na literatura vem de
há muitos séculos. Talvez uma das causas seja a relação que a fé tem com o
fantástico, o desconhecido, dando margem à fantasia e à ficção. No artigo
abaixo, publicado no site Recanto das
Letras ,
Rodrigo Augusto Prado aborda essa relação entre religião e literatura. (Érica
Rodrigues)
Religião e literatura
Os séculos XX e XXI, tendem certamente a serem os
séculos onde o homem colocou e cada vez mais colocará à prova suas origens. O
homem contemporâneo, e digamos, ocidental, obteve recursos – intelectuais e
espirituais - bastante consideráveis para fomentar com qualidade a busca pelo
desconhecido, pelo metafísico e pelo Divino e isso hoje tem sido mostrado ao
grande público através da grande metáfora da criação humana: a literatura.
Hermann Hesse em seu “Sidarta”, convida sua
população de leitores a buscar tal qual ele mesmo, experiências que levem ao
caminho da iluminação; Aldous Huxley nos mostra em “Brave new world” uma
sociedade industrial que tem em Henry Ford uma espécie de messias e, por
conseguinte, uma religião: a produção materialista; Morris West nos apresenta
um Fausto pós-moderno em “Advogado do Diabo”; Thomas Mann reedita o próprio
Fausto (aquele que vende a alma para o diabo uma vez que percebe ser a vida
cotidiana algo entediante e limitado); Guimarães Rosa nos aborda com o mesmo
mito em “Grande sertão: veredas”; Paulo Coelho entra para as listas de dez mais
e torna-se membro da ABL produzindo literatura mística; e ainda em Foucault,
Camus, Hemmingway, Ítalo Calvino e outros, podemos encontrar questionamentos
típicos do homem moderno diretamente ligados à causa religiosa.
O verbete “religião”, vem do Latim religare,
portanto temos na terminologia desta palavra a questão do ligar novamente (com
o criador), o que nos faz ter a certeza, pela lógica linguística, que
desligados dEle então somos, logo, fazendo a busca transcendental pelo Sagrado
e ou Divino ser, então, a grande questão daqueles que escolhem participar de
processos e comunidades religiosas. Com os escritores e literatos não é
diferente.
É notório que quão mais laicos sejam os
conhecimentos e quão mais à ciência e às artes estiver o homem, mais distante
ele estará deste processo de (re) ligação. Esta curva inversamente proporcional
foi inclusive a base da filosofia e da literatura que antecede os tempos
modernos e contemporâneos – precisava-se romper definitivamente com Deus para
que se entendesse o valor do Homem, contudo, esta prática obteve um natural
declínio no século XX, pois percebeu-se que não seria decretando a morte de
Deus ou materializando o homem na sua essência que se atingiriam as respostas
oriundas do existencialismo. Faz-se então capital, a necessidade de apelar para
os conceitos místicos e metafísicos que envolvem o Homem e a sua filosofia, tal
qual a sua mais rotineira existência, que bem ou mal sobrevive em meio ao
sofrimento e a felicidade, entre outras questões paradoxais.
Estes paradoxos, ligados diretamente ao mais
profundo questionamento existencial, traz então à tona, a dialética religiosa.
E isso é bastante claro no desenvolvimento da literatura dos últimos 120 anos.
Como se talvez os autores, sejam eles escritores
ou filósofos dados à literatura, na arte da (re)criação do homem através da
tinta e do papel, atribuíssem às suas personagens os dramas de toda uma
humanidade (ainda) carente de respostas. Em “O código Da Vinci”, Dan Brown,
questiona os dogmas centrais do cristianismo como a crucifixão, morte e
ressurreição do Nazareno, alega que Leonardo da Vinci teria sido curador de
informações fidedignas que afirmariam ser Jesus casado com Maria Madalena e
coloca então uma multidão em cheque frente à fé cristã. Não contente com
tamanha ebulição de dúvidas, o mercado editorial infesta a praça de livros pró
ou contra o tal código tentando dar fundamento científico àquilo que nada tem
de ciência: o próprio mistério da fé.
Em “Anjos e Demônios” do mesmo autor, o alvo é a
organização clerical do Vaticano contemporâneo. O tema central, só para variar,
é lavação de roupa suja entre Papas e Cardeais, crimes e outros desvios
ocorridos sob os mandos e desmandos episcopais, o que também confunde a
população de leitores a respeito não da fé em si, mas da Igreja, coordenadora
da prática de fé.
Por outro lado, não é só de críticas e de polêmicas
que o mercado editorial e literário vive quando se aborda temas ligados a
religiões. Existe também o contrapeso para que se possa propor ao leitor a
função de fiel da balança. Livros como “Médico de homens e de almas” e “O
grande amigo de Deus” ambos de Tayllor Caldwell, contam respectivamente as
histórias de Lucas e Paulo de Tarso, dentro de uma abordagem romanceada e
artística. “O Físico” de Noah Gordon também aborda religião de uma forma
bastante simpática. Marion Zimmer Bradley conta a história da Inglaterra e de
Arthur, sob uma ótica mística e sobretudo romântica, onde a religião é tratada
com o respeito necessário em seu clássico “As Brumas de Avalon” ; Benitez
questiona com sabedoria quesitos do cristianismo em “Operação cavalo de Tróia”.
Todas essas obras e autores citados no parágrafo
anterior em algum ponto abordam a religião, mas não fazem dela um projeto
caça-níqueis, pelo contrário, são livros que mostram quantas perguntas
circundam nosso existencialismo, o quão vulnerável é a relação razão x
sentimento x fé e, quanto o homem moderno precisa da existência de Deus para
justificar a própria existência .
Fica então claro que é uma relação saudável esta
que confronta a literatura com a religião e que permanece fazendo-se mister
para que se aguce o senso de transcendência, a transposição de temas
paradoxais, polêmicos e místicos na literatura contemporânea.
Se o homem recria a vida e se faz “criador” ao
escrever um livro e dar vida às suas personagens, nada mais justo que eles, os
livros, tragam em suas linhas espectros múltiplos que transcendam a simples
vida, afinal, na vida real é assim que acontece.
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