quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Literatura e temática religiosa

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A presença da religiosidade na literatura vem de há muitos séculos. Talvez uma das causas seja a relação que a fé tem com o fantástico, o desconhecido, dando margem à fantasia e à ficção. No artigo abaixo, publicado no site Recanto das Letras , Rodrigo Augusto Prado aborda essa relação entre religião e literatura. (Érica Rodrigues)


Religião e literatura
Os séculos XX e XXI, tendem certamente a serem os séculos onde o homem colocou e cada vez mais colocará à prova suas origens. O homem contemporâneo, e digamos, ocidental, obteve recursos – intelectuais e espirituais - bastante consideráveis para fomentar com qualidade a busca pelo desconhecido, pelo metafísico e pelo Divino e isso hoje tem sido mostrado ao grande público através da grande metáfora da criação humana: a literatura.
Hermann Hesse em seu “Sidarta”, convida sua população de leitores a buscar tal qual ele mesmo, experiências que levem ao caminho da iluminação; Aldous Huxley nos mostra em “Brave new world” uma sociedade industrial que tem em Henry Ford uma espécie de messias e, por conseguinte, uma religião: a produção materialista; Morris West nos apresenta um Fausto pós-moderno em “Advogado do Diabo”; Thomas Mann reedita o próprio Fausto (aquele que vende a alma para o diabo uma vez que percebe ser a vida cotidiana algo entediante e limitado); Guimarães Rosa nos aborda com o mesmo mito em “Grande sertão: veredas”; Paulo Coelho entra para as listas de dez mais e torna-se membro da ABL produzindo literatura mística; e ainda em Foucault, Camus, Hemmingway, Ítalo Calvino e outros, podemos encontrar questionamentos típicos do homem moderno diretamente ligados à causa religiosa.
O verbete “religião”, vem do Latim religare, portanto temos na terminologia desta palavra a questão do ligar novamente (com o criador), o que nos faz ter a certeza, pela lógica linguística, que desligados dEle então somos, logo, fazendo a busca transcendental pelo Sagrado e ou Divino ser, então, a grande questão daqueles que escolhem participar de processos e comunidades religiosas. Com os escritores e literatos não é diferente.
É notório que quão mais laicos sejam os conhecimentos e quão mais à ciência e às artes estiver o homem, mais distante ele estará deste processo de (re) ligação. Esta curva inversamente proporcional foi inclusive a base da filosofia e da literatura que antecede os tempos modernos e contemporâneos – precisava-se romper definitivamente com Deus para que se entendesse o valor do Homem, contudo, esta prática obteve um natural declínio no século XX, pois percebeu-se que não seria decretando a morte de Deus ou materializando o homem na sua essência que se atingiriam as respostas oriundas do existencialismo. Faz-se então capital, a necessidade de apelar para os conceitos místicos e metafísicos que envolvem o Homem e a sua filosofia, tal qual a sua mais rotineira existência, que bem ou mal sobrevive em meio ao sofrimento e a felicidade, entre outras questões paradoxais.
Estes paradoxos, ligados diretamente ao mais profundo questionamento existencial, traz então à tona, a dialética religiosa. E isso é bastante claro no desenvolvimento da literatura dos últimos 120 anos.
Como se talvez os autores, sejam eles escritores ou filósofos dados à literatura, na arte da (re)criação do homem através da tinta e do papel, atribuíssem às suas personagens os dramas de toda uma humanidade (ainda) carente de respostas. Em “O código Da Vinci”, Dan Brown, questiona os dogmas centrais do cristianismo como a crucifixão, morte e ressurreição do Nazareno, alega que Leonardo da Vinci teria sido curador de informações fidedignas que afirmariam ser Jesus casado com Maria Madalena e coloca então uma multidão em cheque frente à fé cristã. Não contente com tamanha ebulição de dúvidas, o mercado editorial infesta a praça de livros pró ou contra o tal código tentando dar fundamento científico àquilo que nada tem de ciência: o próprio mistério da fé.
Em “Anjos e Demônios” do mesmo autor, o alvo é a organização clerical do Vaticano contemporâneo. O tema central, só para variar, é lavação de roupa suja entre Papas e Cardeais, crimes e outros desvios ocorridos sob os mandos e desmandos episcopais, o que também confunde a população de leitores a respeito não da fé em si, mas da Igreja, coordenadora da prática de fé.
Por outro lado, não é só de críticas e de polêmicas que o mercado editorial e literário vive quando se aborda temas ligados a religiões. Existe também o contrapeso para que se possa propor ao leitor a função de fiel da balança. Livros como “Médico de homens e de almas” e “O grande amigo de Deus” ambos de Tayllor Caldwell, contam respectivamente as histórias de Lucas e Paulo de Tarso, dentro de uma abordagem romanceada e artística. “O Físico” de Noah Gordon também aborda religião de uma forma bastante simpática. Marion Zimmer Bradley conta a história da Inglaterra e de Arthur, sob uma ótica mística e sobretudo romântica, onde a religião é tratada com o respeito necessário em seu clássico “As Brumas de Avalon” ; Benitez questiona com sabedoria quesitos do cristianismo em “Operação cavalo de Tróia”.
Todas essas obras e autores citados no parágrafo anterior em algum ponto abordam a religião, mas não fazem dela um projeto caça-níqueis, pelo contrário, são livros que mostram quantas perguntas circundam nosso existencialismo, o quão vulnerável é a relação razão x sentimento x fé e, quanto o homem moderno precisa da existência de Deus para justificar a própria existência .
Fica então claro que é uma relação saudável esta que confronta a literatura com a religião e que permanece fazendo-se mister para que se aguce o senso de transcendência, a transposição de temas paradoxais, polêmicos e místicos na literatura contemporânea.
Se o homem recria a vida e se faz “criador” ao escrever um livro e dar vida às suas personagens, nada mais justo que eles, os livros, tragam em suas linhas espectros múltiplos que transcendam a simples vida, afinal, na vida real é assim que acontece.



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