quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Entrevista: as afinidades políticas entre Estados Unidos e Israel

Descrição para cegos: bandeira de Israel, com aviões caça,
carros das Forças Armadas e soldados em pintura sombreada
no centro, empurrando a estrela de Davi da bandeira para a
direita, em direção à bandeira da Palestina, com sangue
escorrendo no encontro entre as duas bandeiras.
Com a atual crise entre Israel e os palestinos da Faixa de Gaza, os olhares do mundo estão voltados para as questões que mais definem a guerra e como elas refletem na sociedade mundial. Na edição da Carta Capital do domingo 3 de agosto, a revista trouxe uma entrevista com o professor de Ciências Políticas da Universidade de Valenciennes, Mokhtar Ben Barka. Na conversa, ele falou sobre o elo entre Estados Unidos e Israel no âmbito comercial, religioso e bélico e como as duas nações usam o discurso cristão/judaico para fortalecer as relações. (Daniel Sousa)


As fatais afinidades religiosas entre EUA e Israel 

Para Mokhtar Ben Barka, professor de Ciências Políticas especializado em Estados Unidos e Oriente Médio na Universidade de Valenciennes, na França, o elo entre os EUA e Israel é antes de tudo religioso. “Escolhidos de Deus”, os americanos acreditam que “amar Israel é obedecer à vontade de Deus”. Como seus predecessores, Barack Obama não teria coragem de deixar de proteger Israel. 


Carta Capital: O senhor costuma dizer que o “fator religioso” é mais forte nos Estados Unidos do que em outros países democráticos. De que forma a religiosidade americana faz de Israel um aliado? 

Mokhtar Ben Barka: O “fator religioso” tem enorme impacto nos EUA. Essa religiosidade é histórica, remonta ao século XVII, quando judeus começam a ir aos Estados Unidos. É conectada à certeza de que eles, os americanos, foram os escolhidos de Deus, como dita a Bíblia. Nasce então nos americanos a certeza de que eles vivem na Nova Jerusalém. Amar Israel, especialmente para os evangélicos, os protestantes conservadores, faz parte da fé cristã. De fato, você não pode ser cristão se não amar Israel. Amar a Grande Israel, aquela de Abraão, como na Bíblia, é obedecer à vontade de Deus. Por isso, em 1948, sob a presidência de Harry Truman, os Estados Unidos foram o primeiro país a ratificar Israel, como novo Estado. A criação de Israel passa a ser uma profecia cumprida. Israel torna-se o principal aliado dos EUA. Os evangélicos, inclusive aqueles fundamentalistas, passam ainda a ter maior influência na política exterior dos EUA sob George W. Bush. 

CC: E o lobby judeu? 

MBB: É fortíssimo, principalmente nos EUA. Lobistas judeus têm muita influência sobre os congressistas americanos. 

CC: A mídia israelense critica John Kerry, o qual busca mediadores para o cessar-fogo na Turquia e no Catar, não no Egito. Pela primeira vez, faria sentido o comportamento do secretário de Estado? 

MBB: Os EUA encontram-se em uma posição bastante desconfortável. De fato, a Turquia é uma potência emergente, um país respeitado no mundo árabe. Os cataris, embora dominados pelos EUA, podem negociar com o Hamas, considerado um movimento terrorista por americanos e europeus. Esses países poderiam formular um tratado de paz favorável também para Gaza. Por sua vez, o Egito, que tirou do poder a Irmandade Muçulmana, um braço do Hamas, está mais preocupado em favorecer Israel. 

CC: Pelo fato de Obama ter raízes na África muçulmana, ele não poderia, como se pensava quando foi eleito pela primeira vez, posicionar-se de forma mais equilibrada no Oriente Médio do que seus predecessores?

MBB: Seria a primeira vez na história. Nenhum presidente americano tem coragem para agir de tal modo. Uma posição equilibrada no Oriente Médio marcaria o fim da carreira de Obama, e com repercussões graves para o Partido Democrata. 

CC: Os EUA foram o único país a votar na semana passada contra uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU para formar uma comissão internacional chamada a investigar os ataques israelenses contra a Palestina. Aquele voto, dado por um país que busca o cessar-fogo, não lhe parece contraditório? 

MBB: Voltamos à herança religiosa dos EUA, ao elo com Israel. É impensável para Washington se opor a Israel. Obama tenta satisfazer ambos os lados. Fala em cessar-fogo para ajudar Gaza, vítima de um massacre, mas vota contra uma comissão de observadores da ONU para averiguar se os ataques de Israel fogem às normas do direito internacional. 

CC: No mundo árabe, com seus 19 países, há diferenças enormes entre eles. Mas, de forma geral, até que ponto os árabes apoiam a Palestina? 

MBB: É um tema importante para a vasta maioria. No entanto, países em diferentes regiões reagem de maneiras diferentes. As monarquias conservadoras do Golfo Pérsico não querem se envolver no conflito, embora possam lamentá-lo. Já no Magrebe é intenso o apoio aos palestinos. A Tunísia, por exemplo, está a enviar medicamentos, mantimentos e roupas para Gaza. De todo modo, apesar de simpatizar com os palestinos, nem todos os governos árabes concordam com a ideologia do Hamas.

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