terça-feira, 2 de maio de 2017

Deus está no horto!


Descrição para cegos: foto de parte do muro do horto florestal onde se ler a seguinte pichação: "Deus é preta, pobre e mãe solo".
Marcelo Piancó

       Muita gente já disse que as paredes têm ouvidos, porém o mais belo susto que eu tive foi constatar que os muros têm bocas, cérebros e opiniões. Embora isso cause grande dor e tristeza para a vereadora Eliza Virgínia. Essa nossa parlamentar de cabeça mirim que classifica a pichação como a mais pura manifestação do vandalismo, pior até que os crimes que são praticados em nome dos deuses. Uma frase em muro pode até não ser arte, mas muitas vezes ela é, no mínimo, filosofia e, no máximo, a mais fina ironia. 
      Não queria misturar pichação com religião pra não manchar o que é mais puro, no caso a tinta que vai no muro. Não é fácil pra nenhum cidadão dito distinto se deparar com uma tinta negra em muro branco gritando que "Deus é preta, pobre e mãe solo". Não é fácil, mas é provocador, não é confortável, mas é inovador, não é comum e por isso mesmo é libertário. Acho até que Deus assinaria embaixo e acrescentaria outros pormenores das minorias tão diminuídas.
      

      A frase não foi feita pra ferir o Soberano, ela foi escrita só para invocar esse mundo que acha que tem a exclusividade divina, como se a cor e a condição fizessem o bom cristão ou o mau ladrão. Realmente é complicado enxergar esse deus que nos pintam em telas renascentistas em mães solteiras, em pretas e pobres que nunca tiveram acesso ao horto florestal, cercado por aquele muro da pichação. Aquele muro talvez fale até mais do que a frase escrita nele, ele diz que ali há um limite onde os pretos, pobres e mães solteiras devem perder o pulsar da vida pra poder adentrá-lo, pois o lazer dos abençoados do deus branco, macho e pai casado, só aceitam ali corpos em desova, afinal essa gente inconveniente tem mais é que morrer, e morrer é ainda, ou pode ser, a única forma de pobre adentrar no paraíso.
       O que esse novo Nietzsche do anonimato pichou, não foi um epitáfio de Deus, foi apenas um boletim médico que afirma que a intolerância religiosa só pode evoluir ao óbito. Ele também joga um véu feminista sobre Deus que lhe caiu tão serenamente bem. Pois penso eu assim, o que mais se assemelha ao criador neste mundo terreno do que a mulher? O amor de  uma mãe, mesmo que solteira, preta e pobre, para mim é o que mais se aproxima do divino. 
       Alguém pode até achar que eu sou teimoso feito uma pedra, mas eu admito que concordo com o muro, Deus é preta, pobre e mãe solo, só acrescentaria o também para ser mais inclusivo. Por isso mesmo, vejo mais Deus numa simples mulher do Marrocos do que numa virginal que tenta pichar as consciências coloridas com a cruel monotonia ariana do cinza.

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