sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

"Macumbeiros e invocadores do demônio!"

Descrição para cegos: culto de Umbanda realizado em um pátio
por pessoas que dançam trajando vestes brancas.

Por Douglas de Oliveira

“Aquilo é uma manifestação da Pomba-Gira, está cheio de demônios! Também pudera, praticando magia negra, catimbó, macumba...”. Talvez não seja tão doloroso proclamar que o outro está repleto de forças malignas que agem através de sua fé. Escutar isso, no entanto, machuca profundamente. Compara-se a sentar no banco dos réus e sofrer, injustamente, a acusação de cometer um crime horrendo. A condenação vem logo após, repleta de forças do mal embasadas no preconceito de uma sociedade em que hierarquias se sobrepõem ao respeito.

A discriminação, em geral, decorre da ignorância daqueles que se fecham em sua própria bolha. Também acontece devido à existência de ideologias extremamente majoritárias e minoritárias. De acordo com o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), em 2010, no Brasil, 89,9% da população se declarava cristã, e apenas 0,3% proclamava o credo de religiões afro-brasileiras (0,2% umbandista e 0,09% candomblecista).
Estas últimas percentagens parecem irrisórias. À primeira vista, são insignificantes para se tornarem pauta de imprensa. No entanto, em números absolutos, havia 574.694 pessoas, pouco mais do que os habitantes do estado de Roraima, que padeciam e, ainda hoje, padecem com ofensas convencionadas e rotineiras.
A origem do preconceito remonta à época em que os pretos-velhos ainda residiam em matéria neste mundo, à mancha histórica da escravidão. Ali, em meio à exclusão institucionalizada, africanos camuflavam seus rituais reverenciando os orixás do Candomblé a partir das imagens dos santos católicos. Assim começaram a se estabelecer as primeiras pontes sincréticas entre as crenças de um país miscigenado.
A Umbanda, essencialmente brasileira e fruto da mistura entre Candomblé, Espiritismo e Catolicismo, surgiu em 1908, quando o Caboclo das Sete Encruzilhadas incorporou, na Federação Espírita de Niterói, e disse: "Vim para fundar a Umbanda no Brasil. Aqui, inicia-se um novo culto, em que os espíritos de pretos-velhos e os índios nativos de nossa terra poderão trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo, ou posição social. A prática da caridade, no sentido do amor fraterno, será a característica principal desse culto.”
        Desde então, termos sagrados dos cultos umbandistas e candomblecistas ganharam uma conotação pejorativa na sociedade de maioria cristã: “Catimbó e Macumba são sinônimos de Umbanda e Candomblé, e pregam a magia negra! Pomba-Gira e Iemanjá são demônios! Xangô é a festa dos tambores para invocar Satanás!”.
        Todas essas declarações afirmativas são baseadas de falsas informações. Através de uma conversa com sacerdotes da Umbanda, facilmente se esclarece a verdade:
- O Catimbó resulta do sincretismo entre religiões indígenas do Nordeste e o Catolicismo.
- O instrumento de percussão muito utilizado em cultos afro-brasileiros chama-se macumba.
- Pomba-Gira é um espírito de luz que prega a união e a reabilitação de pessoas que sofrem por algum mal.
- Iemanjá, é a mãe de todos os santos, assim como o é Maria na Igreja Católica.
- Xangô, orixá representado por São João Batista, carrega consigo a justiça.
- Oxalá, o pai e criador do mundo, é representado por Jesus Cristo de braços abertos nos terreiros umbandistas.
        Casos pontuais de corrupção existem tanto na Umbanda quanto em todas as religiões; há os que se apropriam dos rituais sagrados para obter lucro financeiro desmedido ou tramar o mal. Vão de encontro, portanto, ao primeiro mandamento: a caridade. Os umbandistas se apoiam na Bíblia e nos livros de ensinamentos mediúnicos e espirituais em suas práticas religiosas.

Mãe Anaíza, com quem conversei para desconstruir meus estereótipos, diz que encontrou a paz de espírito na Umbanda e, através dela, estabelece um canal de cura entre as entidades e os encarnados que sofrem com enfermidades físicas e psicológicas. Ela não mais se incomoda com comentários preconceituosos. Veste branco e pisa, descalça, no solo sagrado. Agradece pela terra, ar, fogo e água. Confia, pois, no poder de Oxalá e somente a Ele entrega sua vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário