terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Divagações de um cristão nato e naturalizado

Descrição para cegos: ampulheta apoiada em uma prateleira
horizontal e circundada, em sua base, por um terço.
Por Douglas de Oliveira

Tive um sonho estranho na última noite. Eu caminhava, junto com milhares de pessoas, em um local pouco familiar. Todos usavam roupas parecidas com aquelas típicas da época em que Cristo, encarnado como homem, pregava seu Evangelho. Imaginei que projetava inconscientemente aquele cenário tão significativo para nós, cristãos. Surgiu a rápida impressão de que seria o momento da crucificação.
Havia tanta gente. Eu mal enxergava além da multidão. De repente, todos começaram a se ajoelhar. E, então, já estavam inclinados, com a cabeça baixa como em reverência a reis, apontados para uma só direção. Falavam em uma língua incompreensível. Percebi que não eram judeus ou cristãos, mas sim muçulmanos em uma era atualíssima. Cumpriam seu ritual rotineiro, curvados na direção de Meca. Fiquei atordoado e também me ajoelhei, como se intimidado. Passei a imitá-los automaticamente, embora não entendesse o sentido de cada gesto do culto.
Acordei. Toquei a cama, o travesseiro. Eu estava aparentemente seguro, em meu quarto. A imagem de Cristo crucificado permanecia na mesma prateleira, próximo à ampulheta circundada por meu terço. Nada parecia fora do lugar, exceto minha mente. As notícias que vi referentes a mortes de sírios ou a atentados terroristas talvez tenham desaguado no sonho.  
Comecei a pensar. Se eu não fosse fruto de uma nação em que noventa por cento da população proclama a fé cristã, teria eu em meu quarto aqueles objetos? Se minha família não me educasse no Catolicismo, não me batizasse em meus primeiros meses de vida, não me mostrasse a importância da missa, teria eu me crismado? Se, durante a infância, eu não ouvisse músicas cristãs, se amigos e conhecidos não dissessem que vão bem “graças a Deus”, se as Escrituras que pregam a soberania de Jesus não existissem nas casas de quase todas as pessoas, seria eu cristão?
Pensei que, assim como achamos estranhos as vestes e os ritos religiosos islâmicos, ou a cremação destinada aos mortos no hinduísmo, ou o batuque da macumba nos cultos candomblecistas, talvez essas culturas não compreendam o uso de baterias e guitarras para louvar a Deus, ou a presença de sorrisos diante da imagem sofrida de Jesus na cruz, ou a transformação de um pedaço de pão em um alimento verdadeiramente sagrado, ou os milhares de cadáveres enterrados em locais urbanos, onde vivos seguem seu fluxo cotidiano.
Me pus do outro lado, assim como orienta a minha fé e como tantos que a nutrem não conseguem agir, ora pelo receio de ferir sua crença, ora pelo egocentrismo decorrente da indiferença. Percebi que, como toda aquisição de conhecimento na infância, fui condicionado a ser quem sou. Também o seria em Israel, na Angola, no Iraque ou no Tibete. Como no sonho, me vi repetindo atitudes sem conhecer seu real significado quando criança. Internalizei ideologias convencionadas e convencionais.
        A cultura nos é inerente como sujeitos sociais, organizados em redes compartilhadas de pensamento. Hoje em dia, posso dar meus próprios passos em direção ao aprofundamento da minha fé. Tenho uma escolha e, principalmente, a perspectiva da continuidade. Obviamente meu histórico de desenvolvimento fortalece essa decisão. Sou cristão, pois, graças à presença de templos em minha cidade, à educação da minha família, a amigos de escola, a catequistas (pelos mesmos fatores, em outros lugares sociais ou geográficos, poderia ser muçulmano, hinduísta, candomblecista ou budista). E, claro, também sou cristão pela força do destino, e pela fé de que ele pertence ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

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