Imagem: Érica Rodrigues |
O
fundamentalismo religioso no Brasil tem aparecido na mídia em casos de
intolerância ao candomblé, de quebra de imagens de santos católicos, de pichações
de muros de templos e até mesmo em campanha para boicote a uma novela que
retratava um casal homossexual. O texto abaixo, do jornalista e deputado
federal Jean Wyllys, publicado na Carta Capital, em 2 de julho de
2014, mostra que o fundamentalismo não é uma realidade apenas do islamismo e tem
sido praticado por cristãos. (Érica Rodrigues)
O
fundamentalismo não é uma prerrogativa apenas do islamismo
Sua versão cristã à
moda brasileira se materializa na difamação e perseguição sistemática da
comunidade LGBT e de outras religiões sobretudo as de chamada "de matriz
africana"
por Jean Wyllys
Em datas recentes e
muito próximas, quatro episódios nos chocaram. Pelo menos chocaram a nós que
respeitamos as diferenças religiosas, étnicas, sexuais, de gênero e a
diversidade cultural resultante delas. Na cidade mineira de Montes Claros, Ítalo
Ferreira da Silva, membro de uma seita cristã neopentecostal, foi preso após
destruir sete imagens sacras numa igreja católica. Na Baixada Fluminense, o
"barracão" da ialorixá Mãe Conceição de Lissá foi incendiado no mesmo
dia em que o muro do babalorixá Germano Marino amanheceu pichado com os dizeres
"Vamos matar os gays" e "Deus abomina os gays". Na semana
anterior, um delegado da região comentou em uma matéria sobre o dia dos
namorados que o casal retratado na matéria deveria "apanhar de cipó"
por assumir a relação homoafetiva. Tudo isso enquanto um pastor faz campanha
por boicote a "Em Família", novela que ousa retratar o amor entre
duas mulheres.
Não se iludam que
esses sejam casos isolados, sem relação entre si. Muito menos que correspondam
a agonias privadas. Os quatro episódios citados acima são expressões do
fundamentalismo cristão e o têm como causa.
Entendo o incômodo que
a expressão "fundamentalismo cristão" possa trazer à maioria dos
cristãos brasileiros, uma vez que estes não desejam se ver confundidos com
fundamentalistas (e não devem mesmo ser confundidos!). Mas a verdade é que,
sim, existe no Brasil um fundamentalismo cristão. E ao contrário do que sugerem
os telejornais, o fundamentalismo não é uma prerrogativa apenas do islamismo.
Toda religião se
fundamenta em um conjunto de narrativas, codificado ou não. Quando um religioso
lê ou toma esse conjunto de narrativas como verdades absolutas a serem impostas
a todas as pessoas, dizemos que ele é um fundamentalista. Nem todo cristão ou
muçulmano ou judeu é fundamentalista, mas alguns cristãos, muçulmanos ou judeus
o são.
No caso do
fundamentalismo cristão à moda brasileira, este se materializa na difamação e
perseguição sistemática da comunidade LGBT e de outras religiões, sobretudo as
de chamada "de matriz africana" (a Umbanda e o Candomblé), já que, em
relação a estas, ainda há um viés racista por serem religiões "de
negros".
O sinal de alerta se
acende ao observar os detalhes do primeiro dos quatro episódios citados:
suspeita-se que Ítalo não goze de boa saúde mental e de que teria sido por
conta disto que ele teria repetido o famoso ato de um pastor da Igreja
Universal do Reino de Deus que investiu contra imagem sacra em rede nacional de
televisão. Quando um pastor defende publicamente que pessoas merecem punição
física pelo seu pecado, quem garante que uma ovelha em sua doença mental não
vá, de fato, executar o “julgamento divino”?
O proselitismo
fundamentalista tem saído dos púlpitos e vigorado nas redes sociais, mas, antes
(e o que é pior!), na política. Enquanto muitos destes líderes fundamentalistas
se candidatam ao Legislativo (formando bancadas que se notabilizam pela
intolerância e ignorância, mas também pelas faltas às sessões, ineficiência e
problemas com a justiça), outros candidatos e candidatas flertam com eles na
esperança de ganhar os votos de seus rebanhos e o dinheiro que adquirem com a
exploração comercial da fé.
Lamento profundamente
que os principais candidatos à Presidência da República e aos governos dos
estados não estejam rechaçando, de maneira clara e efetiva, o fundamentalismo
cristão e seu estímulo à intolerância e à violência contra minorias sexuais e
religiosas, mas, antes, estejam cortejando esses inimigos da democracia em
troca de dinheiro para suas campanhas e dos votos de seus rebanhos.
Conclamo os cristãos
não-fundamentalistas, católicos e evangélicos, a reagirem ao fundamentalismo; a
virem a público deixar claro que esses líderes fundamentalistas não lhes
representam; e a se unirem aos adeptos de religiões minoritárias e ateus na
defesa da laicidade do Estado; da diversidade cultural e da cultura de respeito
aos diferentes.
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