Descrição para cegos: freira sorridente recebe passe dado por pai de santo na lavagem da escadaria do Senhor do Bonfim. |
Marcelo Piancó
Aqui
não vai nenhuma crítica à música cristã, apenas a constatação de que
fonograficamente falando, as músicas que não rezam por este evangelho não
garantem a entrada neste paraíso musical. E digo que é um paraíso musical mesmo,
porque segundo a Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD), esse
estilo musical, de diferentes correntes religiosas, transpôs de vez os altares
das igrejas e mantém crescimento em torno de 15% ao ano, o equivalente a 30% da
arrecadação da indústria de mídias, e já ultrapassa em vendas os grandes nomes
da profana música popular brasileira.
Mas
deixando a credulidade de lado, eu não quero é ficar calado diante do que não
se vê e muito menos se ouve na sessão de religiosos. Os discos com músicas das
religiões de origem africanas ou mesmo os batuques que invocam Tupã, foram
completamente exorcizados desta sessão, ou talvez, com perdão da expressão,
nunca chegaram a baixar por lá. Se você for um bom pesquisador, pode até
encontrá-los na mesma loja, mas em espaços com outras denominações como wolrd
music, música tribal ou na vala comum dos diversos.
Isso
nos leva a constatar que na música religiosa o preconceito está na mesma escala
da sociedade, uma reflexão óbvia, mas também inaceitável. Afinal, o meio
musical sempre foi tido como um setor mais democrático, progressivo e porque
não dizer, ecumênico. É triste saber que o que a sociedade trata como ocultismo
as lojas ocultam mesmo, sem perdão, como uma espécie de castigo por sua origem.
Será que essa música merece também esse sectarismo mercadológico?
Invoco
minha herança musical para entoar que não. E prefiro sonhar que a essência
miscigenada da melhor música do mundo chegue também às prateleiras que ainda
restam. Pois nasci, cresci e vou morrer ouvindo os apelos txai de Milton
Nascimento pelos povos da floresta, o velho novo canto ijexá de voz tão Clara,
sem falar no batuque iorubá que Naná Vasconcelos divinizou ainda mais.
É,
talvez eu seja apenas um romântico saudosista, mas se até o vinil ressuscitou,
talvez custe menos que um sonho, idealizar uma convivência religiosa pacífica,
a começar por uma simples sessão de discos. O problema maior é que isto,
literalmente, acontece dentro de um mercado, onde é muito comum
se vender até a alma. E aí só se salva quem é mais comercial, amém?!
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