sexta-feira, 2 de setembro de 2016

"Católicos: blasfemos e idólatras"

Descrição para cegos: imagem do altar da Catedral Basílica de Nossa Senhora
das Neves. Na parede lateral, três quadros com pinturas; ao fundo, uma grande
estrutura que aporta duas imagens de santos, uma da padroeira no centro,
outras de anjos mais acima e, no centro superior, a de Jesus. 

Por Douglas de Oliveira


“Os católicos adoram imagens, sim! Quem já viu se ajoelhar e prestar culto para uma estátua, um pedaço de barro? Isso é uma blasfêmia!”. A ignorância nossa de cada dia produz enunciados como o citado anteriormente. Desarmados do conhecimento acerca das verdadeiras práticas das religiões de outrem e armados das declarações superficiais que perpassam pelo senso comum, cidadãos de todo o planeta projetam um pódio imaginário em que se autodenominam vencedores por suas “crenças superiores” e arremessam seus irmãos humanos à vala etnocêntrica do menosprezo.

         O conceito prévio formado pela cegueira daqueles que não querem enxergar – ou simplesmente, o preconceito – constrói um muro de prepotência, como existiu até a década de 1980 na Irlanda do Norte, que separava meros mortais de comuns mortais, católicos de protestantes, e impedia a busca de um real conhecimento da religião alheia ou a tentativa de compreender e amar o próximo não apenas como outro, mas como a si mesmo. Neste texto, desconstruiremos o mito descrito no título; em postagens posteriores, outras religiões ganharão o mesmo espaço.
Muitos atribuem aos católicos apostólicos romanos a adoração de imagens. O artigo 2.132 do Catecismo da Igreja Católica dissolve claramente esse estigma: “O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. Com efeito, ‘a honra prestada a uma imagem remonta ao modelo original’ e ‘quem venera uma imagem venera nela a pessoa representada’. A honra prestada às santas imagens é uma ‘veneração respeitosa’, e não uma adoração, que só a Deus se deve [...]”.
Segundo a doutrina do Catolicismo, o próprio Deus, no Antigo Testamento, “ordenou ou permitiu a instituição de imagens, que conduziriam simbolicamente à salvação pelo Verbo encarnado: por exemplo, a serpente de bronze, a arca da Aliança e os querubins” (CIC, 2.130). No entanto, o Vaticano não defende que os fiéis idolatrem as imagens, assim como condena a adoração a outras entidades e que criem os ídolos – dinheiro, poder, sexo, raça –, responsáveis pela escravidão decorrente do vício.
As imagens que adornam as igrejas representam pessoas importantes na história do Cristianismo, como mártires, e trazem nos detalhes das vestes ou dos gestos a lembrança de suas ações marcantes e de seus atributos pessoais. O Jesus crucificado diante dos fiéis, por exemplo, simboliza a fé no sacrifício para a salvação humana e denota o sentido das celebrações ali realizadas. A espada na mão do apóstolo Paulo representa sua morte por decapitação e o livro na outra mão, sua grande influência na escrita do Novo Testamento.
“Ah, Maria... Quem sabe como foi o rosto de Maria há mais de dois mil anos? Então sempre tem uma imagem muito bonita, muito bem feita que, para o católico, reflete aquilo que ela foi. Assim também podemos pegar uma imagem de um bisavô de alguém. E dizer: ‘olha meu bisavô, olha como ele era!’. Pra quem não conheceu o Almirante Tamandaré, tem lá o busto dele... Então a imagem sempre foi para nós o revelar do semblante de uma pessoa que eu não conheci. E o jeito como olho para aquela imagem traz admiração, carinho, veneração a alguém digno de honra, gesto diferente de adorar. Só adoramos mesmo o nosso senhor Jesus Cristo, na Eucaristia”, explica o padre Rui Braga, da Catedral Basílica de Nossa Senhora das Neves.
Pe. Rui diz ainda que o gesto de se ajoelhar pode significar um ato penitencial, uma oração ou também uma adoração, a depender do contexto em ele se dá. Já o terço, instrumento muito utilizado pelos católicos, carrega consigo um sentido bíblico especial, uma reflexão acerca dos mistérios da vida de Cristo. Tal significado independe da materialidade do objeto; há, inclusive, terços eletrônicos. “Rezar o terço é uma atividade espiritual do católico. A sua religião é uma, a minha é outra. Daí vem o respeito. O que eu não posso é chegar num culto ecumênico, puxar meu terço e começar a rezar. Seria um desrespeito muito grande”, complementa pe. Rui.
Uma das maiores razões para a intolerância religiosa é o desconhecimento, e as falsas informações que se disseminam com um valor de verdade em decorrência do condicionamento social. Respeitar é desprender-se das amarras que nos engessam como estátuas que têm boca e não falam – ou cospem violência –, têm olhos e não veem – ou enxergam apenas seu próprio ego.

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