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Descrição para cegos: culto de Umbanda realizado em um pátio por pessoas que dançam trajando vestes brancas. |
Por Douglas de Oliveira
“Aquilo é uma manifestação da Pomba-Gira,
está cheio de demônios! Também pudera, praticando magia negra, catimbó,
macumba...”. Talvez não seja tão doloroso proclamar que o outro está repleto de
forças malignas que agem através de sua fé. Escutar isso, no entanto, machuca
profundamente. Compara-se a sentar no banco dos réus e sofrer, injustamente, a
acusação de cometer um crime horrendo. A condenação vem logo após, repleta de
forças do mal embasadas no preconceito de uma sociedade em que hierarquias se
sobrepõem ao respeito.
A discriminação, em geral, decorre da
ignorância daqueles que se fecham em sua própria bolha. Também acontece devido
à existência de ideologias extremamente majoritárias e minoritárias. De acordo
com o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Pesquisa e
Estatística (IBGE), em 2010, no Brasil, 89,9% da população se declarava cristã,
e apenas 0,3% proclamava o credo de religiões afro-brasileiras (0,2% umbandista
e 0,09% candomblecista).
Estas últimas percentagens parecem
irrisórias. À primeira vista, são insignificantes para se tornarem pauta de
imprensa. No entanto, em números absolutos, havia 574.694 pessoas, pouco mais
do que os habitantes do estado de Roraima, que padeciam e, ainda hoje, padecem
com ofensas convencionadas e rotineiras.
A origem do preconceito remonta à época em
que os pretos-velhos ainda residiam em matéria neste mundo, à mancha histórica
da escravidão. Ali, em meio à exclusão institucionalizada, africanos camuflavam
seus rituais reverenciando os orixás do Candomblé a partir das imagens dos
santos católicos. Assim começaram a se estabelecer as primeiras pontes
sincréticas entre as crenças de um país miscigenado.
A Umbanda, essencialmente brasileira e fruto
da mistura entre Candomblé, Espiritismo e Catolicismo, surgiu em 1908, quando o
Caboclo das Sete Encruzilhadas incorporou, na Federação Espírita de Niterói, e
disse: "Vim para fundar a Umbanda no
Brasil. Aqui, inicia-se um novo culto, em que os espíritos de pretos-velhos e
os índios nativos de nossa terra poderão trabalhar em benefício dos seus irmãos
encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo, ou posição social. A prática
da caridade, no sentido do amor fraterno, será a característica principal desse
culto.”
Desde
então, termos sagrados dos cultos umbandistas e candomblecistas ganharam uma
conotação pejorativa na sociedade de maioria cristã: “Catimbó e Macumba são
sinônimos de Umbanda e Candomblé, e pregam a magia negra! Pomba-Gira e Iemanjá são
demônios! Xangô é a festa dos tambores para invocar Satanás!”.
Todas
essas declarações afirmativas são baseadas de falsas informações. Através de uma
conversa com sacerdotes da Umbanda, facilmente se esclarece a verdade:
- O Catimbó resulta do sincretismo entre religiões indígenas do
Nordeste e o Catolicismo.
- O instrumento de percussão muito
utilizado em cultos afro-brasileiros chama-se macumba.
- Pomba-Gira é um espírito de luz
que prega a união e a reabilitação de pessoas que sofrem por algum mal.
- Iemanjá, é a mãe de todos os santos, assim como o é Maria na Igreja
Católica.
- Xangô, orixá representado por São João Batista, carrega consigo a
justiça.
- Oxalá, o pai e criador do mundo, é representado por Jesus Cristo de
braços abertos nos terreiros umbandistas.
Casos
pontuais de corrupção existem tanto na Umbanda quanto em todas as religiões; há
os que se apropriam dos rituais sagrados para obter lucro financeiro desmedido
ou tramar o mal. Vão de encontro, portanto, ao primeiro mandamento: a caridade.
Os umbandistas se apoiam na Bíblia e nos livros de ensinamentos mediúnicos e
espirituais em suas práticas religiosas.
Mãe
Anaíza, com quem conversei para desconstruir meus estereótipos, diz que
encontrou a paz de espírito na Umbanda e, através dela, estabelece um canal de
cura entre as entidades e os encarnados que sofrem com enfermidades físicas e
psicológicas. Ela não mais se incomoda com comentários preconceituosos. Veste
branco e pisa, descalça, no solo sagrado. Agradece pela terra, ar, fogo e água.
Confia, pois, no poder de Oxalá e somente a Ele entrega sua vida.
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