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Descrição para cegos: ampulheta apoiada em uma prateleira horizontal e circundada, em sua base, por um terço. |
Tive um sonho estranho na
última noite. Eu caminhava, junto com milhares de pessoas, em um local pouco
familiar. Todos usavam roupas parecidas com aquelas típicas da época em que
Cristo, encarnado como homem, pregava seu Evangelho. Imaginei que projetava
inconscientemente aquele cenário tão significativo para nós, cristãos. Surgiu a
rápida impressão de que seria o momento da crucificação.
Havia tanta gente. Eu mal
enxergava além da multidão. De repente, todos começaram a se ajoelhar. E,
então, já estavam inclinados, com a cabeça baixa como em reverência a reis,
apontados para uma só direção. Falavam em uma língua incompreensível. Percebi
que não eram judeus ou cristãos, mas sim muçulmanos em uma era atualíssima.
Cumpriam seu ritual rotineiro, curvados na direção de Meca. Fiquei atordoado e
também me ajoelhei, como se intimidado. Passei a imitá-los automaticamente,
embora não entendesse o sentido de cada gesto do culto.
Acordei. Toquei a cama, o
travesseiro. Eu estava aparentemente seguro, em meu quarto. A imagem de Cristo
crucificado permanecia na mesma prateleira, próximo à ampulheta circundada por
meu terço. Nada parecia fora do lugar, exceto minha mente. As notícias que vi
referentes a mortes de sírios ou a atentados terroristas talvez tenham
desaguado no sonho.
Comecei a pensar. Se eu não
fosse fruto de uma nação em que noventa por cento da população proclama a fé
cristã, teria eu em meu quarto aqueles objetos? Se minha família não me
educasse no Catolicismo, não me batizasse em meus primeiros meses de vida, não
me mostrasse a importância da missa, teria eu me crismado? Se, durante a
infância, eu não ouvisse músicas cristãs, se amigos e conhecidos não dissessem
que vão bem “graças a Deus”, se as Escrituras que pregam a soberania de Jesus
não existissem nas casas de quase todas as pessoas, seria eu cristão?
Pensei que, assim como
achamos estranhos as vestes e os ritos religiosos islâmicos, ou a cremação
destinada aos mortos no hinduísmo, ou o batuque da macumba nos cultos
candomblecistas, talvez essas culturas não compreendam o uso de baterias e
guitarras para louvar a Deus, ou a presença de sorrisos diante da imagem
sofrida de Jesus na cruz, ou a transformação de um pedaço de pão em um alimento
verdadeiramente sagrado, ou os milhares de cadáveres enterrados em locais
urbanos, onde vivos seguem seu fluxo cotidiano.
Me pus do outro lado, assim
como orienta a minha fé e como tantos que a nutrem não conseguem agir, ora pelo
receio de ferir sua crença, ora pelo egocentrismo decorrente da indiferença.
Percebi que, como toda aquisição de conhecimento na infância, fui condicionado
a ser quem sou. Também o seria em Israel, na Angola, no Iraque ou no Tibete.
Como no sonho, me vi repetindo atitudes sem conhecer seu real significado
quando criança. Internalizei ideologias convencionadas e convencionais.
A cultura nos é inerente como sujeitos sociais,
organizados em redes compartilhadas de pensamento. Hoje em dia, posso dar meus
próprios passos em direção ao aprofundamento da minha fé. Tenho uma escolha e,
principalmente, a perspectiva da continuidade. Obviamente meu histórico de
desenvolvimento fortalece essa decisão. Sou cristão, pois, graças à presença de
templos em minha cidade, à educação da minha família, a amigos de escola, a
catequistas (pelos mesmos fatores, em outros lugares sociais ou geográficos,
poderia ser muçulmano, hinduísta, candomblecista ou budista). E, claro, também
sou cristão pela força do destino, e pela fé de que ele pertence ao Pai, ao
Filho e ao Espírito Santo.
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